A Bíblia Poliglota Complutense, publicada entre 1514 e 1517, é um dos mais importantes marcos da história da produção bíblica e dos estudos filológicos do período renascentista. Iniciada sob a direção do cardeal Francisco Jiménez de Cisneros, esta monumental obra foi produzida na Universidade de Alcalá de Henares, também conhecida como Complutense, e consistiu na primeira Bíblia poliglota impressa. A publicação envolveu a colaboração de alguns dos mais renomados estudiosos da época e foi um projeto que levou mais de 15 anos para ser concluído.
A Bíblia Poliglota Complutense é notável por sua inclusão de múltiplas versões do texto bíblico em diferentes línguas. Em seus seis volumes, ela apresenta o texto hebraico do Antigo Testamento, o Targum Onkelos em aramaico com uma tradução interlinear em latim, o texto grego do Novo Testamento, e a tradução latina da Vulgata, além de uma gramática hebraica e um dicionário de palavras hebraicas. A disposição em colunas paralelas permitia que os leitores comparassem diretamente as diferentes versões, facilitando o estudo crítico do texto bíblico.
A publicação da Bíblia Poliglota Complutense reflete o espírito humanista que permeava a Europa no início do século XVI. O humanismo renascentista valorizava o retorno às fontes originais, e a Poliglota Complutense foi um exemplo dessa busca por um conhecimento mais puro e direto dos textos sagrados. Cisneros, influenciado por esse movimento, queria criar uma Bíblia que permitisse aos estudiosos acessar os textos nas línguas originais, eliminando as possíveis corrupções que poderiam ter ocorrido nas traduções ao longo dos séculos.
Apesar de ter sido concluída em 1517, a Bíblia Poliglota Complutense só foi oficialmente autorizada pelo Papa Leão X em 1520 e distribuída em 1522. O projeto teve um custo elevado, não apenas financeiro, mas também em termos de recursos intelectuais. Os estudiosos que trabalharam na Poliglota enfrentaram dificuldades na busca por manuscritos hebraicos e gregos de qualidade, e a própria impressão do texto em múltiplas línguas foi um desafio técnico. A obra, no entanto, foi um sucesso acadêmico e rapidamente ganhou reputação entre os estudiosos, sendo considerada um instrumento essencial para a crítica textual bíblica nos séculos subsequentes.
A importância da Bíblia Poliglota Complutense está em seu papel pioneiro na erudição bíblica, estabelecendo um padrão para as futuras edições poliglotas e consolidando a posição de Alcalá de Henares como um centro de aprendizado renascentista. Seu impacto foi duradouro, influenciando subsequentemente a Bíblia Poliglota de Antuérpia (1568-1572), editada por Benito Arias Montano, e outras iniciativas poliglotas que visavam fornecer acesso aos textos bíblicos originais.
Além de sua relevância para os estudos bíblicos e linguísticos, a Bíblia Poliglota Complutense também teve importância política e religiosa. Ao patrociná-la, Cisneros pretendia fortalecer a ortodoxia católica e preparar a Espanha para enfrentar os desafios doutrinários que viriam com a Reforma Protestante, que eclodiu apenas alguns anos após a conclusão da Poliglota. O uso da Vulgata ao lado das línguas originais refletia o equilíbrio que Cisneros desejava manter entre a tradição da Igreja e as novas demandas acadêmicas.
Referências:
ALAND, Kurt; ALAND, Barbara. The Text of the New Testament: An Introduction to the Critical Editions and to the Theory and Practice of Modern Text Criticism. Grand Rapids: Eerdmans, 1995.
GARCÍA, M. Carmen Fernández. La Biblia Políglota Complutense: Contexto histórico y características de la edición. Madrid: Fundación Universitaria Española, 2002.
MARTÍNEZ DE BECERRA, Enrique. El Cardenal Cisneros y la Biblia Políglota Complutense. Alcalá de Henares: Universidad de Alcalá, 1999.
RODRÍGUEZ, Mariano. Cisneros, el Cardenal de España: Su obra política, religiosa y cultural. Madrid: Alianza Editorial, 2005.
SÁENZ-BADILLOS, Angel. A History of the Hebrew Language. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.
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