A Bíblia de Kralice (ou Bible kralická, em tcheco) é a primeira tradução completa da Bíblia para o idioma tcheco diretamente dos textos originais em hebraico, aramaico e grego. Produzida entre 1579 e 1593 por membros da Unidade dos Irmãos Tchecos (Jednota bratrská), também conhecida como Irmãos Boêmios, a obra representa um marco monumental da Reforma Protestante na Europa Central, tanto no aspecto religioso quanto linguístico e cultural.
A tradução foi realizada por um grupo de estudiosos liderado por Jan Blahoslav, que já havia anteriormente traduzido o Novo Testamento (1564, 1568) com base no texto grego. A tradução completa da Bíblia — feita a partir do Texto Massorético para o Antigo Testamento e do Texto Grego Bizantino para o Novo Testamento — foi concluída em seis volumes impressos na cidade de Kralice nad Oslavou, na Morávia, usando uma tipografia secreta localizada no castelo da cidade, pois os Irmãos Boêmios viviam sob constante perseguição religiosa do Império Habsburgo (BENEŠ, 2002).
A Bíblia de Kralice não foi apenas uma tradução da Escritura, mas também uma obra de erudição, contendo introduções, notas de rodapé, comentários teológicos e crítica textual. A tradução foi diretamente influenciada pelos princípios reformados de retorno às fontes originais e é considerada um exemplo clássico do alto padrão da filologia protestante do século XVI (SKALSKÝ, 1994). Os tradutores seguiram metodologias rigorosas, consultando o Texto Massorético hebraico, a Septuaginta grega, a Vulgata latina, bem como a tradução alemã de Martinho Lutero e outras versões reformadas.
Do ponto de vista linguístico, a Bíblia de Kralice fixou o padrão da língua literária tcheca por séculos, influenciando autores como Jan Amos Comenius e outros nomes fundamentais do renascimento nacional tcheco. O estilo da tradução é notoriamente elegante e fluente, o que contribuiu para sua longevidade e status quase canônico na cultura tcheca (VESELÝ, 2010).
A primeira edição completa em seis volumes foi publicada entre 1579 e 1593. Uma edição revisada em um único volume foi publicada em 1613 e se tornou a versão mais amplamente utilizada. Mesmo após a vitória da Contrarreforma na Boêmia e Morávia (1620), quando a Bíblia de Kralice foi proibida, sua circulação clandestina continuou, sendo copiada e preservada por comunidades evangélicas e exilados protestantes.
Na contemporaneidade, a Bíblia de Kralice continua sendo uma das obras mais celebradas da literatura eslava e uma referência tanto para estudiosos da Reforma quanto para linguistas do tcheco. Além disso, serve como exemplo da resistência cultural e religiosa frente à opressão político-religiosa, evidenciando o papel das traduções bíblicas como instrumento de identidade e preservação cultural.
Referências:
BENEŠ, Jaroslav. The Unity of the Brethren and the Kralice Bible. Praha: Karolinum Press, 2002.
SKALSKÝ, Miroslav. Biblia Kralická: Dějiny a význam. Brno: Centrum pro studium reformace, 1994.
VESELÝ, Milan. The Language of the Kralice Bible and Its Influence on the Czech Language. In: Czech Studies Review, v. 5, n. 1, p. 23–34, 2010.
COMENIUS, Jan Amos. Selected Works. Dordrecht: D. Reidel Publishing, 1976.
KŘÍŽEK, Jiří. Tiskárna v Kralicích a Bible Kralická. Praha: Academia, 1984.
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