A obra conhecida como Hexapla Inglesa é um marco na história da tradução bíblica em língua inglesa. O termo "Hexapla", originalmente cunhado para descrever a obra monumental de Orígenes no século III, que colocava diferentes versões do Antigo Testamento em colunas paralelas, foi reaplicado para designar essa compilação singular das mais importantes traduções das Escrituras em inglês, abrangendo o período de 1380 a 1611. A Hexapla Inglesa é estruturada com seis colunas paralelas, cada uma contendo uma das versões mais relevantes da Bíblia em inglês, permitindo uma comparação fácil e detalhada entre elas, com o texto grego original posicionado no topo para referência.
A primeira dessas traduções é a de John Wycliffe (1380), amplamente considerada a primeira tentativa de traduzir toda a Bíblia para o inglês. Baseada na Vulgata Latina, a tradução de Wycliffe foi produzida num período em que a Igreja Católica controlava rigidamente a disseminação das Escrituras e era contra a tradução da Bíblia para línguas vernáculas. Wycliffe, contudo, acreditava que o acesso direto à Palavra de Deus deveria ser possível a todos os cristãos, o que o levou a criar sua tradução, mesmo enfrentando oposição e perseguição.
A segunda coluna da Hexapla contém a tradução de William Tyndale, de 1534, que marca a primeira vez que o Novo Testamento foi impresso em inglês. Tyndale, ao contrário de Wycliffe, traduziu diretamente dos textos originais em hebraico e grego, em vez de utilizar a Vulgata. Sua tradução foi um avanço crucial no desenvolvimento da Bíblia inglesa, mas também resultou em sua captura e execução por heresia em 1536. O legado de Tyndale, entretanto, é vasto, com grande parte de sua tradução sendo incorporada em edições subsequentes, incluindo a King James Version de 1611.
A Cranmer Bible, ou Great Bible de 1539, foi a primeira tradução autorizada por lei na Inglaterra. Sob a liderança de Thomas Cranmer, Arcebispo da Cantuária, essa Bíblia foi colocada em todas as igrejas da Inglaterra, sendo uma tradução amplamente baseada nos trabalhos de Tyndale e Myles Coverdale. Essa edição foi significativa não apenas por sua distribuição generalizada, mas também por representar o início de uma política de apoio à tradução bíblica como parte do rompimento de Henrique VIII com a Igreja Católica.
A Bíblia de Genebra, impressa pela primeira vez em 1557, foi a primeira versão das Escrituras a ser levada para as colônias americanas. Essa tradução, produzida por estudiosos protestantes exilados durante o reinado de Maria I, foi extremamente influente entre os puritanos e outras comunidades religiosas da época. Foi também a primeira Bíblia a utilizar versículos numerados e introduções explicativas, elementos que se tornaram padrão nas traduções subsequentes.
A Bíblia de Rheims, de 1582, foi a primeira tradução oficial católica romana do Novo Testamento para o inglês. Produzida pelos estudiosos da Universidade de Douai, essa tradução foi uma resposta à proliferação de Bíblias protestantes e visava fornecer aos fiéis católicos uma versão que estivesse alinhada com a teologia e doutrina da Igreja Católica. Embora menos influente do que as traduções protestantes da época, a Bíblia de Rheims desempenhou um papel crucial na reafirmação da presença católica na literatura bíblica em inglês.
Por fim, a King James Version (1611), que ocupa a última coluna da Hexapla, é indiscutivelmente a tradução mais conhecida e impressa em toda a história da língua inglesa. Encomendada pelo rei Jaime I da Inglaterra, essa versão foi o resultado de um esforço coletivo de 47 estudiosos e clérigos, que revisaram todas as traduções anteriores, incluindo as mencionadas acima, para criar uma versão unificada e autoritária. A King James Version não só teve um impacto espiritual e teológico profundo, mas também influenciou a própria evolução da língua inglesa, deixando um legado literário duradouro.
A Hexapla Inglesa, com seu extenso prefácio de 160 páginas, fornece uma análise detalhada de como cada tradução foi desenvolvida, as motivações teológicas e políticas por trás de suas criações, e os desafios enfrentados pelos tradutores. Essa obra não apenas permite uma comparação textual entre as diferentes versões, mas também oferece uma compreensão abrangente do desenvolvimento da Bíblia em inglês ao longo de dois séculos cruciais para a história do cristianismo ocidental.
Referências:
BRUCE, F. F. The English Bible: A History of Translations. New York: Oxford University Press, 1970.
DANIELL, David. The Bible in English: Its History and Influence. New Haven: Yale University Press, 2003.
MCCLURE, Alexander. The Translators Revived: A Biographical Memoir of the Authors of the English Version of the Holy Bible. Philadelphia: Lippincott, 1853.
NORTON, David. A Textual History of the King James Bible. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.
WEEVERS, Theodoor. "Wycliffe and the Lollards". Cambridge History of the Bible, Vol. 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1969.
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Link para visualização do documento histórico:
1841:
https://drive.google.com/file/d/1gS_x8oVkRPvrZ7CtioeoL5iMcLvDmaCu/view?usp=sharing